Infância

Um dos grandes nomes dos palcos paulistanos e integrante da tradicional Companhia do Latão, Ney Piacentini apresenta o espetáculo “Infância”, inspirado na obra de Graciliano Ramos, no palco da SP Escola de Teatro.

Ney Piacentini, integrante da tradicional Companhia do Latão, está em cartaz com Infância, inspirado na obra de Graciliano Ramos, no palco da SP Escola de Teatro. Ao lado do com o multi-instrumentista, Alexandre Rosa, os dois passeiam em meio ao universo árido do escritor alagoano.

“Infância” é a transcrição cênica e musical a partir do livro homônimo de Graciliano Ramos, publicado em 1945. Nesta obra, o escritor alagoano traz à tona seus primeiros anos de vida até o despertar da puberdade vividos no interior dos Estados de Alagoas e Pernambuco. Em meio à dura vivência com a família, surge página a página uma criatura, mesmo que marcada por uma difícil alfabetização, interessada nos vários personagens à sua volta e no mundo das letras.

O Brasil cheio de dificuldades envolto em poesias, jogos de palavras – que se misturam a uma paisagem seca e às relações estão em cena com música ao vivo e muita beleza cênica.

Com um cenário simples, mas cheio de elementos que formam paisagem, compõe a trilha e apoiam as palavras, o universo complexo, mas simples na beleza das palavras resiste fortemente em cena, se mostrando necessária e prendendo a plateia da literatura para o teatro.

Essa é a segunda vez que Ney mergulha no universo da literatura. A primeira incursão foi em “Espelhos”, inspirada nas obras de Machado de Assis e Guimarães Rosa – duas obras que trazem a teoria da alma e investigam a natureza humana e o que nos faz o que somos.

Na época, esta crítica que aqui escreve disse sobre a obra: “Espelhos é um passeio em uma biblioteca das imperdíveis reflexões guardadas nas estantes do país.”

“Infância” vai pelo mesmo caminho e também investiga a natureza humana levando a palavra e as possibilidades imagéticas ao teatro. Ney tem o plano de uma trilogia. Que venha mais e que a temporada popular com ingressos popular a partir de a R$ 10, até 26/04 ganhe fôlego e vida longa como os clássicos da literatura.

Stalking – um conto de terror documental

Quanto tempo demora para a gente perceber o assédio? Quanto a nossa sociedade realmente evoluiu no tema que não sai das manchetes e atinge as esferas pessoal e profissional? A peça “Stalking” encena a história real da atriz Livia Vilela, que sofreu com um stalking que trabalhava com ela em uma ONG. O abuso começou em 2015 e durou anos e causou vários problemas emocionais – e também profissionais – para atriz. Lívia se juntou a um time majoritariamente de mulheres como as codiretoras Elisa Volpatto e Rita Grillo para ter a coragem de contar essa história nos palcos. Ela divide o placo com Paulo Salvetti, que também assina a dramaturgia.

Em clima de deboche do patriarcado, a linguagem do espetáculo flerta com o universo do terror e também dos contos de fadas, com histórias como “Chapeuzinho Vermelho”, evidenciando a impunidade recorrente concedida aos homens, que aparecem como figuras grotescas que se assemelham aos lobos das histórias infantis.

Como se prova um abuso? Como conseguir sair da situação e seus efeitos na vida e no psicológico? Discutindo a violência invisível sofrida pelas mulheres e patriarcado, “Stalking”, aborda um tema difícil de forma lúdica. Prende a plateia na cronologia dos fatos e passa sua mensagem fazendo o público entrar na narrativa além de juntar os pontos. “Stalking” precisa estar no palco e a prova disso é a emoção que toma conta da plateia e uma evidente identificação. Não à toa está em sua segunda temporada. Mais do que isso, é um exercício teatral baseado em um true crime com a vítima em cena. Um ato de coragem que serve para inspirar homens e mulheres.

Outono Inverno – O Que Sonhamos Ontem

Um bom e clássico drama que fez sucesso no final da temporada deste 2022 segue em São Paulo no início deste novo ano, até 5 de março. “Outono Inverno – O Que Sonhamos Ontem”, espetáculo dirigido por Denise Weinberg e com dramaturgismo de Kiko Marques está indicado aos prêmios APCA e Shell e você não deveria perder.

Esta é a segunda montagem do drama familiar do autor sueco Lars Norém (1944-2021), uma das vítimas da pandemia de Covid-19. A primeira montagem em 2006 trouxe no elenco nomes como Sérgio Britto, Laura Cardoso e Denise Weinberg – que agora assina a direção. Na primeira montagem o diretor foi Eduardo Tolentino de Araújo, do Grupo Tapa.

Família, comida, palavra (ou a falta dela e do amor) são ingredientes de “Outono Inverno – O Que Sonhamos”. Uma receita clássica misturada com um casamento falido, segredos e a frustração da vida. Tudo o que deveria estar condenado à aparência, mas emerge na cena. 

Dividem o palco Dinah Feldman, Nicole Cordery, Noemi Marinho e Riba Carlovich. Uma filha de sucesso e uma filha doente. Será mesmo possível separar assim de forma tão clara? “Outono Inverno – O Que Sonhamos” expõe as camadas da nossa família que não queremos ver e assumir, tira o fôlego e sua direção e atuações precisas criam um balé em cena que é difícil se desprender, do drama ao humor tudo se mistura – principalmente o real e a ficção que mora dentro de nós. Uma peça de ação, luz, trilha e cenografia forte.

Até 5 de março, no Teatro Aliança Francesa.  Sextas e sábados, 20h00 e domingo 18h00.Temporada de sexta a domingo. Nos dias 17, 18 e 19 de fevereiro não haverá apresentação por causa do carnaval. Siga a peça no Instagram e saiba mais: https://www.instagram.com/outonoinvernopeca/

Como posso não ser Montgomery Clift?

Como Posso Não Ser Montgomery Clift? Está em cartaz no Auditório do Sesc Pinheiros até 12/11. A peça, como o nome sugere, fala sobre ator americano Montgomery Clift (1920-1966). Galã – diferente do padrão “macho alfa” dos seus sucessores e contemporâneos Marlon Brando (1924-2004) e James Dean (1931-1955), ele fez sucesso em filmes como Um Lugar ao Sol e A Um Passo da Eternidade. O espetáculo não é exatamente uma biografia, mas é uma importante reflexão sobre a indústria da fama e do cinema e sobre nós mesmos e nossa relação com o sucesso, a família, amigos, aparência e realidade.

Um astro, referência de beleza, que sofre um acidente de carro e tem seu rosto desconfigurado. O mesmo astro se vê em posição de esconder a sua sexualidade para ser aceito e manter a carreira. Como não ser quem se é? Onde começa o que somos e o que querem que sejamos? Qual o preço das nossas escolhas? Como Posso Não Ser Montgomery Clift? Não tem como título uma pergunta à toa. E a peça traz perguntas que servem a todos nós.

A relação com a família, estranhos e amigos também aparecem no espetáculo. Tudo misturado: genialidade e decadência; realidade e ficção. Em cena no placo, o multiartista Gustavo Gasparani comemora 40 anos de carreira com o solo. A partir de fatos da vida de Clift, Gasparani conduz com maestria o homem que sofre com as pressões do showbiz e vive à beira do precipício, lotado de angústia e afogado nos perigos do álcool.

Escrito pelo espanhol Alberto Conejero López, o monólogo Como Posso não Ser Montgomery Clift? tem a potente direção de Fernando Philbert na versão brasileira e é imperdível para os amantes do cinema, do teatro e de uma boa história, que conduz o espectador a refletir a própria história.

Moscou para Principiantes

A peça “Moscou para Principiantes” é mais do que uma versão de “As Três Irmãs” ou um compilado da obra de Anton Tchekhov. A Obra é mais do que isso. Com 55 minutos, o espetáculo convida o espectador a jogar com as atrizes em cena. Brinca com nossos sentidos e percepções enquanto também contém falas de “As Três Irmãs”, discute o mundo do trabalho, da mulher a política e pontos de vista, mas de uma forma leve. A montagem está em cartaz no TUSP – Teatro da Universidade de São Paulo.

Como um verdadeiro jogo cênico para atrizes e plateia, “Moscou para Principiantes, dramaturgia e direção de Aline Filócomo, tem três atrizes em cena: Natacha Dias, Paula Arruda e Rita Grillo (Que será substituída nas últimas duas semanas por Rita Pisano). Com humor, movimentação corporal, dublagem, ritmo e outros artifícios de linguagem, há uma imaginação de construção de mundos e alternativas de poéticas para questões que faz com que a peça e Tchecov se encontrem em cena, de alguma forma não exatamente convencional.

Em cena são promovidas conversas em dois núcleos de mulheres: três artistas de teatro e um grupo de aposentadas da terceira idade que usam de troca de personagens, neologismos, mudança de lugar, dublagem e tudo isso de uma forma que faz exercitar o cérebro. É interessante que a peça – que também foi publicada em livro – ganha mesmo vida no palco, em uma experiência difícil de descrever, mas interessante de ser vivida.

A partir de “Moscou para Principiantes” a plateia é levada sem peso a temas nem sempre leves. Vale a reflexão e a brincadeira em cena, já que no processo da peça, nos tornamos atores dela para montar as situações propostas.

O Falcão Vingador

O que liberta você e o que o prende? Com a metáfora clássica do homem que sonha em voar com asas próprias, Luccas Papp encena seu novo texto O Falcão Vingador ao lado de Maria Clara Gueiros, no Teatro Nair Bello, as sextas e sábados, às 21h; e domingos às 19h até 28 de agosto.

Sob direção de Ricardo Grasson, Maria Clara Gueiros vive na pele de Lúcia, uma mãe que coloca no filho a expectativa de realizar a missão que seu marido não conseguiu. Luccas Papp é quem faz o tímido menino que diante da eminência da realização do feito para o qual foi programado toda a vida questiona seus propósitos e sonhos próprios.

Os dois protagonistas transitam entre o drama e a comédia em uma fração de segundos. Ao passo que esperamos um voo se realizar e somos, de alguma forma, a cidade que espera no pé do penhasco os acontecimentos, acompanhamos a evolução dos personagens.

A tradicional reviravolta dos textos de Luccas Papp está também presente nessa montagem que de maneira delicada transporta a plateia para as suas relações familiares, pactos e histórias. Também remete ao momento em que todos passam ou já passaram um dia:  o momento de deixar o ninho.

A cenografia e o figurino ajudam a construir um universo de fantasia que confere o lúdico ao espetáculo que discute a busca pela glória e o medo do fracasso como pano de fundo. Com poder de identificação a obra é uma boa pedida para quem gosta de comédia com uma boa mensagem em um programa capaz de unir a família.

O Doente Imaginário

A última e uma das peças mais famosas de Molière (1622-1673), O Doente Imaginário está em cartaz no Teatro Viradalata de quinta a sábado às 20:30h e domingo às 19h até o dia 31 de julho e depois emendam temporada no Parlapatões até dia 7 de agosto.

Com humor, a farsa, gênero teatral cômico muito utilizado pelo dramaturgo francês, diverte e trata de temas que de tão atuais podem ser considerados atemporais (a considerar quando a peça foi escrita), como a questão da vacina. Molière, aliás, escreveu o texto no ano de sua morte e estava doente com tuberculose, doença sem cura na época.  

A montagem em cartaz em São Paulo atualiza a obra mescla o clássico e o contemporâneo com humor. Na farsa o conflito entre autenticidade e hipocrisia se impõe enquanto Argan (interpretado por Marcos Thadeus), um hipocondríaco, acredita estar doente e quer que a filha (Nathalia Kwast) se case com um médico (Felipe Calixto) para economizar em remédios. Quem engana Argan e o quer morto e quem realmente se preocupa com ele? Com o personagem de Luiz Damasceno, a divertida governanta Toinette, essas perguntas ganham respostas ao longo do andamento do enredo.

A ficha técnica consegue dar à montagem ares de uma comédia de grande produção com bons elementos, visagismo (Louise Helène), cenografia, figurino (Kleber Montanheiro) e música (Tato Fischer). Unido a esses grandes nomes há mais destaques da ficha técnica como a pesquisa, adaptação e concepção de direção de Maria Eugênia De Domênico, direção artística de André Kirmayr, iluminação de André Grywalsky, produção, atuação e parceria na adaptação de Marcos Thadeus. E também estão no elenco Paulo Olyva (Senhor Boafé e Beraldo), Paulo Bergstein (Fleurant e Dr. Purgon), Giovani Tozi (Cleanto), Alexia Twister (Beline) e Jorge Primo (Senhor Diaforius).

Vale assistir para refletir sobre saúde e o momento em que vivemos de forma leve e divertida.

Foxfinder – A Caça

Texto inédito no Brasil, Foxfinder – A Caça, não à toa, nasceu premiado na Inglaterra e projetou a jovem dramaturga Dawn King, de 44 anos, para o mundo. A peça que já ganhou montagens também na Suécia, Estados Unidos e Austrália tem um texto pungente, dinâmico e que fala ao nosso tempo: a sociedade que cultua o medo para buscar a ordem, em que as Fake news se misturam a verdades e que as verdades são vendidas como absolutas. Na forma uma parábola distópica, o espetáculo prende a plateia e trabalha relações simples, sem nos dar conclusões simples.

William Bloor (Eduardo Mossri), um Agente Oficial do Estado da Inglaterra, chega à fazenda de Samuel (Ernani Sanchez) e Jude Covey (Carolina Fabri) para investigar uma suspeita de contaminação ali. Ele é orientado a destruir raposas, animais que, segundo a propaganda estadista, ameaçam as produções e colheitas agrícolas do país. Entretanto, apesar da escassez de alimentos, nenhuma raposa tem sido vista pelos campos. O casal vive, além de tudo, o drama pessoal de ter perdido seu único filho. Em cena, a amiga e vizinha Sara Box (Carol Vidotti) acredita que as raposas estão extintas, mas diante da dúvida também é impactada pela vinda do agente e teme que sua família e fazenda também sejam afetadas e que percam as terras.

Será que podemos confiar em pessoas acuadas? Que narrativa um pai que perdeu seu filho e tenta se livrar da culpa é capaz de comprar? Como é possível se criar defensores e proclamadores do fascismo em meio a tanta informação? Essas são algumas perguntas que Foxfinder – A Caça responde a plateia usando o simples artificio de raposas versus coelhos. Quase como uma fábula com mais de uma moral e excelentes interpretações, o espetáculo tem a sensível direção de Wallyson Motta e arrebata a plateia.

O texto está na reta final da sua temporada no Teatro Sérgio Cardoso (até 14 de junho) mas irá emendar uma leva de três semanas de apresentação na Oficina Cultural Oswald de Andrade até 6 de julho. A melhor notícia é que as duas temporadas são gratuitas.

Nautopia

“Nautopia” é um musical-prosa brasileiro que vai deixar sua marca no teatro paulistano. Primeira obra teatral no mais moderno e tecnológico teatro de São Paulo, o B32, inaugurado há poucos meses, na Avenida Faria Lima, a produção surpreende pela soluções teatrais, as boas e nada óbvias coreografias com um grupo altamente sincronizado e pela história emocionante, inédita e cheia de brasilidade. O teatro conta com um sistema de recolhimento de poltronas para fazer o chão de palco e aproximar a plateia. Detalhe que faz valer ver da primeira fila. A orquestra abrigada atrás do palco e envolta em um vidro acústico que possibilita aos pedestres da rua vê-la é um toque charmoso e surpreende a todos. O sétimo musical escrito pelo autor, compositor, performer e produtor paulistano Daniel Salve, tem 26 atores acompanhados de 10 músicos em cena. O protagonista e produtor Beto Sargentelli interpreta Tomás, um jovem navegante que parte de sua terra natal, o idílico Vale da Utopia, no litoral de Santa Catarina, para um exílio em Paraty (RJ) após o misterioso desaparecimento de sua irmã Clara. Cheio de mistérios e poesia, “Nautopia” usa panos para inventar o bar, barcos, o figurino, as músicas e os objetos em cena todos se conversam e transformam essa produção independente em uma boa surpresa da temporada. Em meio a um talentoso elenco de maioria jovem, Jonathas Joba tem uma interpretação que faz jus ao título de veterano ali no palco. Joba, aliás, faz falta aos palcos e assisti-lo é ótimo.  “Nautopia” fica em cartaz até 29 de maio.

Lygia.

Uma experiência completa e imersiva na obra da pintora e escultora Lygia Clark (1920-1988). Assim o monólogo “Lygia” celebra a artista brasileira que ganhou o mundo com suas obras que colocam o espectador como parte participativa da arte. Da mesma forma, o solo escrito por Maria Clara Mattos, a partir dos diários de Lygia Clark, interpretada por Carolyna Aguiar convida a pequena plateia de 45 pessoas para conhecerem a construção do pensamento de Lygia, brincar com as formas e sensações que as obras dela provocam em nós. A peça dirigida por Bel Kutner e Maria Clara Matos acontece dentro da Galeria Bolsa de Arte, na Rua Rio Preto, 63, próximo a avenida Paulista. Em uma sala, com o público próximo, entre cadeiras e puffs, Carolyna Aguiar transforma o cenário, usa objetos e evoca a artista que foi uma mulher a frente do seu tempo. Com a participação do público, por meio dos escritos da homenageada e com as referências à psicologia – tão presente na vida e obra de Lygia, todos tecem, juntos esse universo artístico.  O mergulho ainda pode (e deve) ser complementado com a exposição “A Linha Orgânica de Lygia Clark por Felipe Scovino”, aberta ao público na mesma galeria. O recorte da obra de Lygia se propõe a dialogar com a peça. Apesar do ingresso de R$ 120 inteira, a experiência vale tanto pelo mergulho da exposição como pelo espetáculo que tem um cuidado estético hipnotizador, uma ótima interpretação de Carolyna e por nos chamar a sair da caixa, como Lygia fez por cerca de 40 anos de intensa produção.