Estudo n°1 – Morte e Vida

Dessas obras de infinitos significados, “Morte e Vida Severina” é o disparador do novo espetáculo do Grupo Magiluth. Disparador porque não se trata de uma adaptação propriamente dita, mas de parte de um estudo, como a companhia recifense nomeia este “Estudo Nº1: Morte e Vida”.

Como num exercício semântico, o espetáculo retraça o poema de João Cabral de Melo Neto e busca suas reverberações hoje. Se na obra cabralina o protagonista Severino é a representação de muitos (é um entre tantos retirantes de destino trágico), no palco ele é outros tantos, de nomes diversos, uma população atravessada pelos mandos e desmandos da política, pela precarização do trabalho, por uma sociedade que reforça estereótipos e preconceitos. O Capibaribe, caminho dos retirantes, que acabam por se transmutar no próprio rio, aqui também se expande: torna-se as muitas águas de que o ser humano tanto vem descuidando.

A montagem se dá, de fato, em estudos sobre o tema. Alternando-se entre o expositivo e o performático, o Grupo Magiluth – que aqui repete a parceria com o diretor Luiz Fernando Marques – busca menos conclusões e mais questionamentos. A narrativa dessa “Morte e Vida” é feita de recomeços, capítulos que mais ou menos se repetem e voltam a tratar das mesmas questões, de modos diversos. 

Trazem dados, recortes do noticiário, colocações individuais dos atores (como a bela cena em que Bruno Parmera discute a falta de referência à identidade nordestina a partir de buscas na internet; até que chega ao vídeo de um homem dançando como Michael Jackson num canavial), dão nome a Severinos tratados com descaso, deixados estendidos no asfalto da cidade, repensam um outro mundo.

E é numa única frase, retirada do poema e pronunciada repetidamente em cena, que esse mar de informações, de tudo que nos cerca e nos afeta, encontra mais sentido e reverberação: “Mas isso ainda diz pouco”.

A Doença do Outro

No seu solo “A Doença do Outro”, Ronaldo Serruya faz um relato sincero e desarmado sobre sua sua convivência, há quase uma década, com o vírus HIV. Essa circunstância, que de certo modo o distingue de outras pessoas, é, como ele mesmo diz, frágil e temporária como toda circunstância.

Ao longo da narrativa, feita num formato de palestra-performance, o autor-intérprete transcorre de modo fluido por textos de Susan Sontag (“A Doença e Suas Metáforas”) e pelas ideias da socióloga Patricia Hill Collins. Discute como os padrões sociais sempre nos induziram a olhar com rechaço e pena para os corpos positivos, como a mídia se apossou dessa narrativa – criando cenas para se fazer chorar.

Ronaldo não busca, nesse expurgo, algum conforto, pelo contrário. Pede ao público que desconfie do conforto, pois ele é traiçoeiro. Assim, nesse jogo de deslocamento, o público mergulha na sua história e adentra seu corpo político, que performa, que fala, que celebra, que dança. Que quebra a barreira frágil da sua circunstância.