João Bobo

A Cia. Paideia de Teatro faz 25 anos e oferece de presente à capital paulista mais uma temporada do divertido espetáculo João Bobo, em cartaz até 03/12 na sede do grupo, em Santo Amaro. O personagem que dá título ao espetáculo vem de lendas europeias — uma de suas versões foi recolhida pelos irmãos Grimm. No Brasil a fábula com o garoto faz parte da tradição folclórica. 

As fábulas, histórias ou causos que nascem da sabedoria popular, têm o mérito de observar os ambientes e as características humanas e personificá-las nos mais diferentes bichos. Assim, as rãs que pediam a Deus um rei moravam num charco em conto de La Fontaine porque, na realidade, ali é o hábitat onde vivem os anfíbios. 

No conto popular “João Bobo” ocorre algo parecido. A ave chamada “joão-bobo” no Brasil, de nome científico Nystalus chacuru, tem esse cgnome porque fica imobilizada quando aparece um predador. A ave quer passar despercebida, a ponto de ser considerada ingênua. João-bobo ainda se finge de morto para não ser capturado, por essa razão ganhou mais um apelido: “sonolento”. Mas por quê joão-bobo age desse modo? Deve ter alguma sabedoria de adaptação em tal comportamento, pode ser que no lugar onde joão-bobo vive não existam caçadores de ação rápida, talvez ficar quieto seja o melhor esconderijo…

No espetáculo João Bobo, a ave parece personificada em um menino chamado João, que mora em uma cidadezinha e cuja mãe lhe pede que vá à feira comprar alimentos e utensílios domésticos. João cumpre as tarefas cometendo erros porque a mãe nunca explica o modo de realizá-las de forma completa.

Todo mundo se diverte com a jornada de aprendizado do herói e faz descobertas a partir das experiências desse protagonista. João realiza os seguintes trabalhos: vai à feira comprar uma agulha, depois um pouco de manteiga, no outro dia um porquinho, em outro, um galão de leite e assim por diante.

A direção do espetáculo, de Ana Luiza Junqueira, marca a sequência das ações de variadas formas, desde a imposição do ritmo pausado nos diálogos e na movimentação dos atores até na cenografia e na trilha sonora.  A adaptação ainda destaca um papagaio encantado, bem construído pelo ator João Vitor Figueiredo, sobretudo pela elocução excelente. A ave ajuda o herói a enfrentar os desafios e a solucionar os conflitos.

De forma plástica, a encenação deixa à mostra do público o mecanismo do entendimento infantil e os arranjos poéticos. A agulha cai no palheiro e ninguém mais acha. A manteiga derretida se transforma na geleca amarela escorrendo das mãos brincalhonas, porém delicadas, dos atores. A cortina branca de um dos três cenários no palco esvoaça e vira o leite derramado pela estrada durante o trajeto do João. A cenografia é de Ana Luiza e Kelvin Tertuliano, que representa o protagonista com bastante acerto pela suavidade e sorriso manso. 

As onomatopeias dos bichos fazem parte da trama e ajudam a plateia a reconhecer os personagens e quais papéis desempenham. Executadas ao vivo, as canções comentam os acontecimentos e têm a qualidade de jogar com a ambiguidade para intrigar o espectador. 

As letras introduzem o ponto de vista irônico sobre as peripécias, questionando se o personagem é mesmo um bobo ou é tolice das pessoas o considerar dessa maneira. Direção musical, composição e arranjo: Margot Lohn.

E agora, qual é a sua inteligência: saber interpretar o que lê e o que os outros falam, ou seria a habilidade de reconhecer os problemas e descobrir rapidamente como resolvê-los? Tem gente que tem inteligência linguística, várias pessoas possuem maior capacidade lógica, outras, musical, espacial, corporal, ainda outros humanos têm a capacidade naturalista aguçada, o que significa que percebem como são os fenômenos naturais. 

Em entrevista à jornalista Monica Weinberg para a revista Veja (2007), o psicólogo norte-americano Howard Gardner explicou que a mente é composta por inteligências múltiplas e descreveu oito delas, acima exemplificadas. Gardner concluiu afirmando que ninguém é desprovido de habilidades cognitivas, que variam em grau e tipos de inteligência em cada um. (https://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/burros_sao_raros.htm)

As crianças que viram o espetáculo na mesma manhã desta crítica que aqui escreve perceberam que João Bobo é um menino inteligente. Tom, de 5 anos, disse que gostou mais quando o personagem executou as tarefas pedidas pela mãe: “Gostei de todas”, falou.  De todas? A resposta foi novamente afirmativa.

Ao que parece, Tom entendeu cada ação separadamente, sem relacionar a tarefa anterior do João Bobo ao trabalho seguinte, de forma adaptativa –sentido literal e concreto. O irmão gêmeo de Tom, Gael, contou que gostou mais da cena “do leite”, que entorna pelo caminho, ou seja, percebeu no espetáculo relações de similaridade, metafóricas. 

Irene, de 3 anos, disse que “queria ser o porquinho”, isto é, deteve-se na representação dos animais pelos atores e nas vozes que faziam nos papéis dos bichos da história. Esse aspecto é revelador da acuidade do elenco na representação dramática e já em na peça de estreia da Paideia no teatro para bebês. 

Os atores conhecem como falar diretamente para o entendimento da criança, atentos à recomendação da faixa etária do espetáculo – público até 7 anos –, realizando as ações e diálogos de modo mais lento, ritmo considerado adequado por especialistas sobre a primeira infância e em conformidade com as crianças entrevistadas.

Elenco se formou na Cia. Paideia, que faz 25 anos

O elenco de João Bobo é fruto do curso contínuo de Vivência Teatral, da Paideia Associação Cultural, do bairro de Santo Amaro, na capital paulista, gerido pela Paideia, companhia criada em 1998 por Aglaia Pusch e Amauri Falseti com a missão de formar crianças e adolescentes por meio do teatro e para o teatro. A companhia também tem parceria com a EMEF Carlos de Andrade Rizzini para aulas de teatro e apresentação de trabalhos feitos pelas crianças e jovens.

Seu 17º Festival Internacional Paideia de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia, que ocorreu em outubro de 2023, marcou os 25 anos da companhia, sua tradição de pesquisa sobre o teatro para esses públicos e o intercâmbio cultural e de experiência dramática com artistas de todo o Brasil e do mundo, da Alemanha, França, Itália e Bélgica, entre outros países da Europa, e países das Américas, como Cuba, Argentina, Uruguai, Chile e México, além daqueles de outros continentes. 

Ficha técnica

Texto: Adaptação do conto popular brasileiro João Bobo pela Paideia. Direção: Ana Luiza Junqueira. Direção musical, composição e arranjo: Margot Lohn. Elenco: João Vitor Figueiredo, Kelvin Tertuliano, Luísa Crobelatti, Rogerio Modesto e Suzana Azevedo. Musicistas: Margot Lohn e Chiara Laureen Flemming. Iluminação: Rogerio Modesto. Cenografia: Ana Luiza Junqueira e Kelvin Tertuliano. Figurinos: Kelvin Tertuliano. Fotos: Dani Sandrini.

Voz de vó

Ao chegar à entrada do Teatro do Sesi-SP cerca de dez minutos antes de o espetáculo começar, havia uma senhora, de quem ainda nenhum de nós espectadores sabíamos o nome, aflita para fazer xixi sem achar o banheiro e para pegar o metrô rumo à estação Sé, na capital paulista. 

Era a dona Genuína, personagem centenária de Voz de vó, caracterizada no estilo cômico, que nesse espetáculo representa a dor e a delícia de viver a fase final da existência com o esquecimento devido ao alzheimer.

A peça arrebata a plateia logo no início, quando outros dois personagens – uma dupla de atores músicos – mobilizam a memória de crianças e adultos pedindo sugestões de canções, que entoam junto com o elenco: “Samba Lelê” (Ernesto dos Santos, Donga; sic), “Alecrim Dourado” (Luiz Cláudio de Castro, 1935; sic) ou “As Pastorinhas” (Braguinha e Noel Rosa). 

Daí para a frente é uma brincadeira só – três passos de formiga, dois passos de pinguim; janela janelinha, porta campainha, entre outras. Em Voz de vó, se encontram justapostos, em procedimento cubista, recursos dramáticos, musicais, de poesia sonora e visual, de iluminação, de videografismo, de jogos de brincantes e de esquetes da comédia circense.

O enredo faz a ordenação metafórica do pensamento de dona Genuína e instaura o conflito maior: essa personagem fugiu de casa. E agora? Ih, os espectadores só descobrem onde ela está se localizarem a casa de vó Genuína.

O palco é um caleidoscópio que põe em movimento a máquina do teatro, a deus ex machina: múltiplas projeções ampliam a ação e a reverberam. Enquanto dona Genuína passa em vídeo montada num galo, por exemplo, os atores dialogam entre si sobre a vovó e sobre eles próprios e encenam passagens do passado e do presente com música ao vivo e coreografia. 

Um telão transparente com imagens fixas e em movimento e a exibição de poemas em diferentes telas desenham as personas, os objetos, as palavras e os assuntos tratados, muitas vezes projetados no corpo das personagens na amplidão do palco, em fascinante cenografia (direção de arte), de Analu Prestes.

O resultado é a subversão dos significantes que compõem a matéria plástica, como no sonho em que as imagens são costuradas e bordadas umas sobre as outras, em procedimento rizomático, como faz a atriz Clarisse Derzié Luz em interação com a plateia infantil: combina que o número da casa da vovó é 123 amarelo Ah! Ah! Ah!

Intercambiáveis, as narrativas complementam os significados umas das outras e adquirem o mesmo peso, dando espaço para a renovação dos elementos dramáticos e dramatúrgicos com o fito de oferecer um teatro em que o grande protagonista é a proposição estética.

Assim, passarinho pode “voar fora da asa”, é possível existir “memória rã” e o sapo “ser uma bola”. Versos apresentados evocam a poética de Manoel de Barros (1916-2014), escritor do Mato Grosso que sabia “montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos” e “fazer uma pedra dar flor” num procedimento em poesia e antropologia (Lévi-Strauss; 1908-2009) conhecido como “bricolagem” no sentido figurado da reorganização metafórica do sistema de signos mitopoéticos.

A atriz que interpreta vó Genuína, Clarisse, domina a atenção do público pela clareza e limpidez das expressões emotivas, do ritmo que impõe à interpretação dos demais atores e das suas falas, que saltam da poesia lírica para as cenas, arquitetadas com astúcia para deixar a infância correr livremente e realizar as peraltices do envelhecimento.

A direção, de Sara Antunes, que também assina a dramaturgia, mobiliza ainda o cinema popular de massa ao evocar o filme The Adam project, sobretudo no jogo de ser criança (Walker Scobell) e de ser adulto (Ryan Reynolds) com o encontro dos mesmos personagens no passado e no futuro, na magnífica atuação de quatro atores nos papéis de personagens desdobrados: os netos Tito adulto (Demian Pinto) e Tito criança (Antônio de Oliveira), Bento homem (Gui Calzavara) e Bento menino (Benjamin de Oliveira). 

A potente atriz Vera Holtz aparece muito à vontade em vídeo como a filha da protagonista. Holtz fez a supervisão artística do espetáculo e sabe como ninguém imitar a entonação das mães chamando seus filhos para fazer alguma coisa, seja para ir à ceia de Natal, seja para cantar parabéns no aniversário de 103 anos da vovó: “Ô, menino, vem para dentro”, está na hora!

Por algumas décadas não houve no teatro para crianças montagem com tamanha excelência em transdisciplinaridade, poesia e interpretação de ator como Voz de vó, equivalente na força de “levar o mar para dar um mergulho”.

Ficha técnica

Dramaturgia e direção: Sara Antunes. Supervisão artística: Vera Holtz. Direção de arte – cenário e figurino: Analu Prestes. Direção musical: Demian Pinto e Gui Calzavara. Desenho de luz: Wagner Pinto. Direção de movimento e preparação corporal: Victoria Ariante. Programação visual: Analu Prestes e Camila Landulfo. Desenhos, colagens e bordados: Analu Prestes. Videografismo: Vic Von Poser. Preparação vocal: Patricia Antoniazi. Elenco (adultos): Clarisse Derzié Luz, Demian Pinto e Gui Calzavara. Elenco infantil: Antônio de Oliveira (Tito), Benjamim de Oliveira (Bento), Nick Araújo (Bento), Pietro Leite (Tito), Rodrigo Viegas (Bento). Participação afetiva: Analu Prestes e Vera Holtz. Visagismo: Kazuo Hair Design. Adereços: palhAssada ateliê soluções cenográficas.

Cadê o Sobrevento? Vinte anos depois

O espetáculo Cadê o Sobrevento? Vinte anos depois, em cartaz no Sesc Pompeia até 1º/10 e no Sesc Belenzinho de 12 a 29/10/2023, realiza narrativas múltiplas que mobilizam o teatro e o levam adiante na história ao comentar fatos recentes da sociedade brasileira e da própria companhia.

A montagem inscreve uma versão dos acontecimentos em pichações e grafites nas paredes de um castelo, além de transcriar uma de suas peças, Cadê o meu herói? (1998).

Na peça original, havia um barão malvado que queria se casar com a princesa Colherzinha de Mel, mas o Grupo Sobrevento desapareceu e levou junto esses personagens. Onde estão agora e o que ocorreu com os bonecos de luva?

Em Cadê o Sobrevento? há uma baronesa e sua filha, Rosita, adolescente contemporânea que fala gírias e usa celular. 

A encenação tem direção de Luiz André Cherubini e dramaturgia do bonequeiro argentino Horacio Tignanelli, que também é astrônomo e autor de obras científicas, entre elas, o livro para crianças El titiritero de la paloma (Ediciones Colihue, 1995).

No atual espetáculo, o Sobrevento recebeu a orientação presencial do mestre chinês Yeung Fai para a manipulação dos bonecos de luva.

A cenografia é de Telumi Hellen, a direção musical e músicas, de Arrigo Barnabé, figurinos de João Pimenta, iluminação de Renato Machado e escultura dos bonecos de Agnaldo Souza e Mandy.

O enredo compara o destino dos personagens com a saga dos anteriores, cobrindo o intervalo de 20 anos. No mesmo castelo da história de 1998, a trama atual mostra a baronesa preocupada com o futuro de sua filha, que fez 18 anos e quer sair do castelo para conhecer o mundo e se aventurar.

Os cartazes urbanos explicam o contexto contemporâneo, que aborda as ameaças políticas ao Brasil democrático, a situação precária dos artistas na pandemia e a história do Sobrevento, continuamente voltando à encenação da narrativa da mãe que mantém a filha no alto de uma torre para evitar que se vá.

Mas a garota tem discernimento e avisa à mãe que não adianta fazer chantagem emocional para que não parta, pois já cresceu e está na hora de ver o mundo real.

A baronesa grita de medo sempre que vê intrusos ou monstros invadirem o castelo e pede a ajuda de seu súdito Alfredo, que chama o exército da fortificação para montar guarda e expulsa monstros e invasores que aparecem na fortificação à procura de Rosita.

O espetáculo é rico em conversas entre os atores-manipuladores e os bonecos e a partir da interação com o público. Em algumas cenas esses atores apenas narram as aventuras do teatro e seu figurino surpreende por mostrar texturas, rendas e bordados que evocam a estética dos ambientes dos mamulengos brasileiros. 

Há cenas de animação com voos de asa-delta, vigilância por helicópteros, combate a intrusos e exibição de um noticiário e outros elementos no ambiente da trama.

Impressiona a movimentação dos bonecos, que conseguem realizar desde movimentos amplos, como saltos mortais e lutas, até uma comunicação gestual minuciosa, como se abanar com um leque, servir um chá com líquido de verdade e passar a xícara para o outro personagem.

Há momentos em que os bonecos fazem acrobacias e os atores-manipuladores mostram à plateia a linguagem gestual dos títeres, de que forma voam para o alto, voltando intactos às suas mãos para continuar a cena em que a aventura estacionou, o que encanta adultos e crianças.

A iluminação contrastante dá prioridade à visibilidade do espectador. Uma câmera no palco projeta para a plateia num telão os mínimos movimentos com objetos pequenos, como um bule com água de verdade para o chá.

Já perto do final da peça o noticiário informa que o Sobrevento foi visto e os integrantes do grupo estavam envelhecidos. E agora? O jeito é procurar por eles na Cooperativa Paulista de Teatro, mas isso é outra história para você conhecer no site da companhia.

Espetáculos do Sobrevento

As marcas do Grupo Sobrevento são a originalidade, o trabalho rigoroso do ator e da manipulação de bonecos e objetos animados. A companhia tem espetáculos dirigidos a vários públicos, adulto, infantil e jovem, sempre com técnicas variadas de movimentação de bonecos e objetos e do teatro de sombras.

O grupo se formou 37 anos atrás numa iniciativa de Sandra Vargas, Luiz André Cherubini e Miguel Vellinho. Desde o início suas montagens chamaram a atenção pela virtuose técnica e tramas diferentes. O Sobrevento desenvolve estéticas particulares para cada espetáculo. Tem cerca de 30 montagens para todos os públicos, entre elas, o premiado espetáculo São Manuel Bueno, mártir (2013).

Para crianças, Mozart moments, de 1991, conquistou o público pela excelência de manipulação do bunraku e pela interação entre personagens de bonecos e atores-manipuladores, além de ser uma encenação criativa, com outros arranjos inteligentes, como o figurino do século 18 totalmente branco – roupas como páginas livres em que então puderam reescrever livremente o enredo.

O espetáculo ganhou os prêmios Coca-Cola de Teatro Infantil (1991) e Maria Mazzetti/RioArte de Teatro de Bonecos (1992). De forma inusitada, a trama, com assuntos aparentemente adultos — sobre a difícil vida do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) –, conquistou o público infantil nos anos 90.

No espetáculo de sombras coloridas A cortina da babá (2011), adaptação do conto Nurse Lugton’s Curtain, de Virginia Woolf (1882-1941), o Sobrevento aperfeiçoou as principais técnicas chinesas com sombras a partir de treinamento com Liang Jun, diretor da Cia. de Arte Popular de Shaanxi (China), que veio ao Brasil especialmente para essa orientação.

No teatro com títeres de luva Cadê o meu herói? A criação dos bonecos foi do mamulengueiro pernambucano Mestre Saúba e o mestre chinês Yang Feng orientou o movimento dos bonecos. Horacio Tignanelli colaborou com a dramaturgia.             

Sucesso de público e de crítica, teve como destaques a técnica de manipulação e a produção de efeitos visuais tecnológicos que contrasta com a temática das novelas de cavalaria, gênero do qual o enredo se originou. O espetáculo recebeu o Prêmio Mambembe, da Funarte, Ministério da Cultura (1998).

A partir de 2010, o Sobrevento passa a explorar também o gênero de teatro para bebês, que adota procedimentos de som e iluminação em suas performances visuais, por exemplo, como em Terra (2016), que aguçam a curiosidade sobre as imagens e conduzem a respostas sensoriais.

O grupo realiza periodicamente eventos internacionais e traz ao Brasil especialistas de diferentes países. Lançou os festivais Primeiro Teatro e Primeiro Olhar – Festival Internacional de Teatro para Bebês, criados em parceria com a Cia. La Casa Incierta (Brasília/Madri). Praticamente inaugurou o gênero no Brasil.

Ficha técnica 

Criação: Grupo Sobrevento. Dramaturgia: Horacio Tignanelli. Direção: Luiz André Cherubini. Atores-manipuladores: Agnaldo Souza, Luiz André Cherubini, Maurício Santana e Sandra Vargas. Assessoria de manipulação de Luva Chinesa: Yeung Fai. Cenografia: Telumi Hellen. Cenotecnia: Casa Malagueta (Equipe: Giorgia Massetani, Júlia Leandro, Igor B Gomes, Dandhara Shoyama, João Chiodo, Shampzzs e Alício Silva). Direção musical e músicas: Arrigo Barnabé. Figurinos: João Pimenta. Iluminação: Renato Machado. Técnico de iluminação: Marcelo Amaral. Escultura dos bonecos: Agnaldo Souza e Mandy. Bonecos e adereços: Agnaldo Souza. Figurinos dos bonecos: J. E. Tico. Assistência de figurinos dos bonecos: Bernardo Puyol. Operação de som e vídeo: Lupe Cherubini. Programação visual: Marcos Corrêa / Ato Gráfico. Fotos: Marco Aurélio Olímpio Vídeo: Icarus Filmes.

Entre Mundos

Quem gosta de brincar de adivinhar e está na fase dos “por quês” vai ficar curioso com Entre mundos, espetáculo sem narração nem diálogos, porém ágil e instigante, o que atrai o público da primeira infância, em especial aquele que tem cinco ou seis anos. Está em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana na capital paulista até 01/10/2023.

Com criação e roteiro de Elisa Rossin e dos atores Gabriel Bodstein e Gabriela Cerqueira, a peça é dirigida por Elisa (da Cia. Do Quintal) e encenada pela dupla, que usa máscaras com olhinhos redondos e uma bola como nariz, muito maior que a dos palhaços, mas que não deixa de evocá-los. A atmosfera é de surpresa, ainda mais com esse traço de comicidade, bem arquitetado pela direção. 

No início os personagens parecem corpos bípedes que se movem. Como não falam, os gestos deles testam o próprio corpo e o espaço onde estão. Enquanto examinam mãos e pés e ao redor, a trilha, entre a música instrumental e os sons de mar e vento, por exemplo, dá a pista de qual é esse ambiente. A trilha musical original é de Alex Huszar, Max Huszar e Thomas Huszar.

O barulho da chuva, dos ônibus na rua ou o de um trem na estação moldam a cenografia imaginária do espetador, que reconhece o que percebe sobretudo pela via auditiva.

O espetáculo destaca o ponto de vista sonoro. Coisas quebram e os personagens tremem de medo ou de susto ao ouvir. Onde será que estão? O público segue com interesse as viagens deles, que entram e saem de um e outro mundo por janelas e portas que desenham no ar. 

A dupla (Gabriela Cerqueira e Gabriel Bodstein) de atores está vestida nos tons neutros das máscaras, com adornos vermelhos que depois mostram no palco a sua função mágica e poética. Eles marcam com ritmo a linguagem gestual e suas máscaras sem muitos traços propiciam que o espectador complete o que vê com a imaginação. 

Os personagens tiram fios vermelhos das roupas e com eles fazem molduras através das quais adentram os mundos desconhecidos, como se atravessassem o espelho de Alice, personagem do País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898). 

Aos poucos, as figuras se humanizam. Bichos aparecem. São dinossauros? Em uma cena, uma onda carrega os personagens pela praia ao som de aves marinhas. Serão gaivotas? Rabos-de-palha? Trata-se de uma aventura para a percepção sensória. 

Os personagens também enfrentam uma ventania e dançam ao som de uma música alegre, carnavalesca. A iluminação (Gabriel Greghi) e a coreografia (preparação corporal de Lívia Seixas) completam o simbolismo das peripécias de Entre mundos. O espectador se diverte com o jogo de descobertas e constrói seus universos próprios.