O espetáculo Cadê o Sobrevento? Vinte anos depois, em cartaz no Sesc Pompeia até 1º/10 e no Sesc Belenzinho de 12 a 29/10/2023, realiza narrativas múltiplas que mobilizam o teatro e o levam adiante na história ao comentar fatos recentes da sociedade brasileira e da própria companhia.
A montagem inscreve uma versão dos acontecimentos em pichações e grafites nas paredes de um castelo, além de transcriar uma de suas peças, Cadê o meu herói? (1998).
Na peça original, havia um barão malvado que queria se casar com a princesa Colherzinha de Mel, mas o Grupo Sobrevento desapareceu e levou junto esses personagens. Onde estão agora e o que ocorreu com os bonecos de luva?
Em Cadê o Sobrevento? há uma baronesa e sua filha, Rosita, adolescente contemporânea que fala gírias e usa celular.
A encenação tem direção de Luiz André Cherubini e dramaturgia do bonequeiro argentino Horacio Tignanelli, que também é astrônomo e autor de obras científicas, entre elas, o livro para crianças El titiritero de la paloma (Ediciones Colihue, 1995).
No atual espetáculo, o Sobrevento recebeu a orientação presencial do mestre chinês Yeung Fai para a manipulação dos bonecos de luva.
A cenografia é de Telumi Hellen, a direção musical e músicas, de Arrigo Barnabé, figurinos de João Pimenta, iluminação de Renato Machado e escultura dos bonecos de Agnaldo Souza e Mandy.
O enredo compara o destino dos personagens com a saga dos anteriores, cobrindo o intervalo de 20 anos. No mesmo castelo da história de 1998, a trama atual mostra a baronesa preocupada com o futuro de sua filha, que fez 18 anos e quer sair do castelo para conhecer o mundo e se aventurar.
Os cartazes urbanos explicam o contexto contemporâneo, que aborda as ameaças políticas ao Brasil democrático, a situação precária dos artistas na pandemia e a história do Sobrevento, continuamente voltando à encenação da narrativa da mãe que mantém a filha no alto de uma torre para evitar que se vá.
Mas a garota tem discernimento e avisa à mãe que não adianta fazer chantagem emocional para que não parta, pois já cresceu e está na hora de ver o mundo real.
A baronesa grita de medo sempre que vê intrusos ou monstros invadirem o castelo e pede a ajuda de seu súdito Alfredo, que chama o exército da fortificação para montar guarda e expulsa monstros e invasores que aparecem na fortificação à procura de Rosita.
O espetáculo é rico em conversas entre os atores-manipuladores e os bonecos e a partir da interação com o público. Em algumas cenas esses atores apenas narram as aventuras do teatro e seu figurino surpreende por mostrar texturas, rendas e bordados que evocam a estética dos ambientes dos mamulengos brasileiros.
Há cenas de animação com voos de asa-delta, vigilância por helicópteros, combate a intrusos e exibição de um noticiário e outros elementos no ambiente da trama.
Impressiona a movimentação dos bonecos, que conseguem realizar desde movimentos amplos, como saltos mortais e lutas, até uma comunicação gestual minuciosa, como se abanar com um leque, servir um chá com líquido de verdade e passar a xícara para o outro personagem.
Há momentos em que os bonecos fazem acrobacias e os atores-manipuladores mostram à plateia a linguagem gestual dos títeres, de que forma voam para o alto, voltando intactos às suas mãos para continuar a cena em que a aventura estacionou, o que encanta adultos e crianças.
A iluminação contrastante dá prioridade à visibilidade do espectador. Uma câmera no palco projeta para a plateia num telão os mínimos movimentos com objetos pequenos, como um bule com água de verdade para o chá.
Já perto do final da peça o noticiário informa que o Sobrevento foi visto e os integrantes do grupo estavam envelhecidos. E agora? O jeito é procurar por eles na Cooperativa Paulista de Teatro, mas isso é outra história para você conhecer no site da companhia.
Espetáculos do Sobrevento
As marcas do Grupo Sobrevento são a originalidade, o trabalho rigoroso do ator e da manipulação de bonecos e objetos animados. A companhia tem espetáculos dirigidos a vários públicos, adulto, infantil e jovem, sempre com técnicas variadas de movimentação de bonecos e objetos e do teatro de sombras.
O grupo se formou 37 anos atrás numa iniciativa de Sandra Vargas, Luiz André Cherubini e Miguel Vellinho. Desde o início suas montagens chamaram a atenção pela virtuose técnica e tramas diferentes. O Sobrevento desenvolve estéticas particulares para cada espetáculo. Tem cerca de 30 montagens para todos os públicos, entre elas, o premiado espetáculo São Manuel Bueno, mártir (2013).
Para crianças, Mozart moments, de 1991, conquistou o público pela excelência de manipulação do bunraku e pela interação entre personagens de bonecos e atores-manipuladores, além de ser uma encenação criativa, com outros arranjos inteligentes, como o figurino do século 18 totalmente branco – roupas como páginas livres em que então puderam reescrever livremente o enredo.
O espetáculo ganhou os prêmios Coca-Cola de Teatro Infantil (1991) e Maria Mazzetti/RioArte de Teatro de Bonecos (1992). De forma inusitada, a trama, com assuntos aparentemente adultos — sobre a difícil vida do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) –, conquistou o público infantil nos anos 90.
No espetáculo de sombras coloridas A cortina da babá (2011), adaptação do conto Nurse Lugton’s Curtain, de Virginia Woolf (1882-1941), o Sobrevento aperfeiçoou as principais técnicas chinesas com sombras a partir de treinamento com Liang Jun, diretor da Cia. de Arte Popular de Shaanxi (China), que veio ao Brasil especialmente para essa orientação.
No teatro com títeres de luva Cadê o meu herói? A criação dos bonecos foi do mamulengueiro pernambucano Mestre Saúba e o mestre chinês Yang Feng orientou o movimento dos bonecos. Horacio Tignanelli colaborou com a dramaturgia.
Sucesso de público e de crítica, teve como destaques a técnica de manipulação e a produção de efeitos visuais tecnológicos que contrasta com a temática das novelas de cavalaria, gênero do qual o enredo se originou. O espetáculo recebeu o Prêmio Mambembe, da Funarte, Ministério da Cultura (1998).
A partir de 2010, o Sobrevento passa a explorar também o gênero de teatro para bebês, que adota procedimentos de som e iluminação em suas performances visuais, por exemplo, como em Terra (2016), que aguçam a curiosidade sobre as imagens e conduzem a respostas sensoriais.
O grupo realiza periodicamente eventos internacionais e traz ao Brasil especialistas de diferentes países. Lançou os festivais Primeiro Teatro e Primeiro Olhar – Festival Internacional de Teatro para Bebês, criados em parceria com a Cia. La Casa Incierta (Brasília/Madri). Praticamente inaugurou o gênero no Brasil.
Ficha técnica
Criação: Grupo Sobrevento. Dramaturgia: Horacio Tignanelli. Direção: Luiz André Cherubini. Atores-manipuladores: Agnaldo Souza, Luiz André Cherubini, Maurício Santana e Sandra Vargas. Assessoria de manipulação de Luva Chinesa: Yeung Fai. Cenografia: Telumi Hellen. Cenotecnia: Casa Malagueta (Equipe: Giorgia Massetani, Júlia Leandro, Igor B Gomes, Dandhara Shoyama, João Chiodo, Shampzzs e Alício Silva). Direção musical e músicas: Arrigo Barnabé. Figurinos: João Pimenta. Iluminação: Renato Machado. Técnico de iluminação: Marcelo Amaral. Escultura dos bonecos: Agnaldo Souza e Mandy. Bonecos e adereços: Agnaldo Souza. Figurinos dos bonecos: J. E. Tico. Assistência de figurinos dos bonecos: Bernardo Puyol. Operação de som e vídeo: Lupe Cherubini. Programação visual: Marcos Corrêa / Ato Gráfico. Fotos: Marco Aurélio Olímpio Vídeo: Icarus Filmes.