Mônica Rodrigues da Costa é jornalista especializada em infância, poeta e professora, autora na antologia O livro dos medos (Companhia das Letrinhas) e coautora da página Zoemas no Facebook. Integra o coletivo Colo de Jornalismo Infantojuvenil. Foi crítica de teatro para crianças na Folha de S.Paulo de 1995 a 2020 e é jurada da APCA. Colabora com o site Panis & Circus.

Entre Mundos

Quem gosta de brincar de adivinhar e está na fase dos “por quês” vai ficar curioso com Entre mundos, espetáculo sem narração nem diálogos, porém ágil e instigante, o que atrai o público da primeira infância, em especial aquele que tem cinco ou seis anos. Está em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana na capital paulista até 01/10/2023.

Com criação e roteiro de Elisa Rossin e dos atores Gabriel Bodstein e Gabriela Cerqueira, a peça é dirigida por Elisa (da Cia. Do Quintal) e encenada pela dupla, que usa máscaras com olhinhos redondos e uma bola como nariz, muito maior que a dos palhaços, mas que não deixa de evocá-los. A atmosfera é de surpresa, ainda mais com esse traço de comicidade, bem arquitetado pela direção. 

No início os personagens parecem corpos bípedes que se movem. Como não falam, os gestos deles testam o próprio corpo e o espaço onde estão. Enquanto examinam mãos e pés e ao redor, a trilha, entre a música instrumental e os sons de mar e vento, por exemplo, dá a pista de qual é esse ambiente. A trilha musical original é de Alex Huszar, Max Huszar e Thomas Huszar.

O barulho da chuva, dos ônibus na rua ou o de um trem na estação moldam a cenografia imaginária do espetador, que reconhece o que percebe sobretudo pela via auditiva.

O espetáculo destaca o ponto de vista sonoro. Coisas quebram e os personagens tremem de medo ou de susto ao ouvir. Onde será que estão? O público segue com interesse as viagens deles, que entram e saem de um e outro mundo por janelas e portas que desenham no ar. 

A dupla (Gabriela Cerqueira e Gabriel Bodstein) de atores está vestida nos tons neutros das máscaras, com adornos vermelhos que depois mostram no palco a sua função mágica e poética. Eles marcam com ritmo a linguagem gestual e suas máscaras sem muitos traços propiciam que o espectador complete o que vê com a imaginação. 

Os personagens tiram fios vermelhos das roupas e com eles fazem molduras através das quais adentram os mundos desconhecidos, como se atravessassem o espelho de Alice, personagem do País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898). 

Aos poucos, as figuras se humanizam. Bichos aparecem. São dinossauros? Em uma cena, uma onda carrega os personagens pela praia ao som de aves marinhas. Serão gaivotas? Rabos-de-palha? Trata-se de uma aventura para a percepção sensória. 

Os personagens também enfrentam uma ventania e dançam ao som de uma música alegre, carnavalesca. A iluminação (Gabriel Greghi) e a coreografia (preparação corporal de Lívia Seixas) completam o simbolismo das peripécias de Entre mundos. O espectador se diverte com o jogo de descobertas e constrói seus universos próprios.