Maria Luísa Barsanelli é jornalista especializada em teatro e jurada do Prêmio Shell-SP. Atualmente, produz conteúdo para festivais e instituições, como Sesc-SP, MITsp e Pro Helvetia - Fundação Suíça para a Cultura.

Estudo n°1 – Morte e Vida

Dessas obras de infinitos significados, “Morte e Vida Severina” é o disparador do novo espetáculo do Grupo Magiluth. Disparador porque não se trata de uma adaptação propriamente dita, mas de parte de um estudo, como a companhia recifense nomeia este “Estudo Nº1: Morte e Vida”.

Como num exercício semântico, o espetáculo retraça o poema de João Cabral de Melo Neto e busca suas reverberações hoje. Se na obra cabralina o protagonista Severino é a representação de muitos (é um entre tantos retirantes de destino trágico), no palco ele é outros tantos, de nomes diversos, uma população atravessada pelos mandos e desmandos da política, pela precarização do trabalho, por uma sociedade que reforça estereótipos e preconceitos. O Capibaribe, caminho dos retirantes, que acabam por se transmutar no próprio rio, aqui também se expande: torna-se as muitas águas de que o ser humano tanto vem descuidando.

A montagem se dá, de fato, em estudos sobre o tema. Alternando-se entre o expositivo e o performático, o Grupo Magiluth – que aqui repete a parceria com o diretor Luiz Fernando Marques – busca menos conclusões e mais questionamentos. A narrativa dessa “Morte e Vida” é feita de recomeços, capítulos que mais ou menos se repetem e voltam a tratar das mesmas questões, de modos diversos. 

Trazem dados, recortes do noticiário, colocações individuais dos atores (como a bela cena em que Bruno Parmera discute a falta de referência à identidade nordestina a partir de buscas na internet; até que chega ao vídeo de um homem dançando como Michael Jackson num canavial), dão nome a Severinos tratados com descaso, deixados estendidos no asfalto da cidade, repensam um outro mundo.

E é numa única frase, retirada do poema e pronunciada repetidamente em cena, que esse mar de informações, de tudo que nos cerca e nos afeta, encontra mais sentido e reverberação: “Mas isso ainda diz pouco”.